"Vocês não ouvem os assustadores gritos ao nosso redor que habitualmente chamamos de silêncio?"
(Prólogo do Filme O Enigma de Kaspar Hauser, 1974).
O filme “O Enigma de Kaspar Hauser”, Herzog 1974, narra a história real do misterioso garoto encontrado na praça pública de Nuremberg – Alemanha –, em 1828, com apenas uma carta destinada ao oficial da guarda. É nesse cenário, da Alemanha do século XIX, que a trama do filme se desenrola.
Essa é uma história que possibilita diversos focos de discussão, sejam eles no campo filosófico, psicológico, sociológico, etc. O roteiro do longa, em si, deixa margem para que tais análises possam ser feitas, destacando importantes pontos da história e trazendo diálogos que demonstram a evolução do personagem central. Apesar das diversas possibilidades de pontos a serem abordados, detenho-me nas conseqüências do isolamento que Hauser vivenciou.
Kaspar Hauser viveu enclausurado durante grande parte de sua vida, sendo alimentado por um homem misterioso, que lhe dava apenas pão e água – motivo pelo qual, mais tarde, Hauser não consegue comer carne e beber álcool –, cresceu sem ter contato social, privado da linguagem, sendo assim não desenvolveu muitas características sociais.
Segundo Borges e Salomão (2003) a linguagem é uma das primeiras formas pela qual o indivíduo se socializa, além disso, é através dela que é possível a criança ter contato com vários aspectos sociais, antes mesmo de aprender a falar.
E é justamente nesse ponto que Hauser sofreu grande déficit, pois o isolamento ao qual foi submetido o impediu de ter acesso a linguagem e, conseqüentemente, ele teve que passar, posteriormente, por um processo de aprendizagem intenso, aprendendo em pouco tempo o que poderia ter aprendido ao longo da sua vida.
Além disso, a criança é levada, pela linguagem, a compreender o mundo de forma abstrata, pois os signos lingüísticos levam o sujeito à abstração. De acordo com Saboya (2001), para Hauser, aparentemente não foi satisfatório conhecer o mundo pela linguagem e seus signos e nesse sentido a autora ainda ressaltou que, para Vygotsky o pensamento e a linguagem surgem de forma independente e unem-se posteriormente numa espécie de linguagem interior, que forma a maior parte do pensamento maduro. A autora ainda afirmou que a educação permite a abstração, porém Hauser não foi submetido a isso.
Uma das passagens do filme que retrata esse fato é a incapacidade de Hauser em distinguir o que era sonho e o que era real, quando estava na clausura. Além disso, existe um diálogo no filme que vale ser destacado:
Hauser: Não entendo, só um homem muito grande poderia ter construído isso (ele olha para a torre). Eu gostaria de conhecê-lo.
Tutor: Não é preciso ser tão grande para construí-la, pois existem andaimes. Entenderá quando o levar a uma construção. Você morou nesta torre, atrás daquela janela. Não se lembra?
Hauser: Isso não é possivel, pois só tem alguns passos de largura. Quando estou dentro do quarto e olho para a direita, a esquerda, a frente e para trás, só enxergo o quarto. Quando olho para torre e depois me viro a torre desaparece, então o quarto é maior que a torre.
Esse diálogo mostra claramente que Hauser não pensava de forma abstrata e sim de forma literal, sem conseguir compreender o mundo a sua volta. A capacidade de abstração, que surge através da interação social e da linguagem, não foi desenvolvida por Hauser, fazendo com que ele não conseguisse absorver certas explicações que exigiam o pensamento abstrato.
De acordo com Rocha (2005), para Piaget, aprendizagem é a obtenção de determinada resposta, que foi adquirida através de uma experiência particular. Já o desenvolvimento é definido como a aprendizagem em si, que proporciona a formação de conhecimentos. Assim, Hauser não foi apenas privado da aprendizagem, mas também ficou impossibilitado de se desenvolver devidamente.
Apesar de Hauser ter vivido por muito tempo sem contato com outras pessoas, sem contato com a linguagem, sua capacidade de aprender permaneceu. Isso é perceptível, pois ao passar a viver em sociedade, ele foi aprendendo a falar e agir de acordo com os parâmetros sociais, do contexto em que estava inserido. O desenvolvimento tardio lhe trouxe alguns prejuízos, porém ainda assim ele foi capaz de pensar, sentir, aprender.
O Enigma de Kaspar Hauser não é apenas um filme contando a história de um homem que viveu socialmente isolado, é também um filme que retrata a importância da interação social, da convivência com a linguagem, mostrando que apesar da subjetividade humana e das características individuais de cada sujeito, o desenvolvimento é possível através da socialização, da dinâmica entre organismo e ambiente.
Referências:
BORGES, L. C.; SALOMAO, N. M. R. Aquisição da linguagem: considerações da perspectiva da interação social. Psicologia: Reflexão e Crítica, Porto Alegre, v. 16, n. 2, 2003. Disponível em:
ROCHA, P. Pré-Operatório: Fases de Desenvolvimento da Criança. Escola S/3 Arq. Oliveira Ferreira. 2005. Disponível em:
SABOYA, M. C. L. O ENIGMA DE KASPAR HAUSER (1812?-1833): UMA ABORDAGEM PSICOSSOCIAL. Psicologia USP, São Paulo, v. 12, n.2, 2001. Disponível em:
Filmografia:
Werner Herzog. O Enigma de Kaspar Hauser (Jeder für Sich und Gott Gegen Alle). Alemanha, 1974. 110 minutos.
show de boliche minha querida cunha!
ResponderExcluirEscreva mais...
Parabéns pelo texto e pelas valiosas informações comparativas. Nunca mais verei "Kaspar" com o mesmo olhar...
ResponderExcluirCinebulição: www.cinebuli.blogspot.com
Agradeço por terem se disponibilizado para ler meu texto e alegro-me em saber que gostaram!!!
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